Pequenas
partes de uma menina que tenta ser mulher
Capitulo
2
Mudanças
familiares e novas amizades
Vamos
conhecer os fatos de verdade, parte por parte. Em 2010 algumas mudanças
importantes aconteceram, entre elas a morte repentina da minha avó materna, que
foi minha primeira perda verdadeira. Minha avó era um ponto muito importante da
minha vida sendo muito presente em cada parte dela até então. Durante meu
crescimento eu a vi sofrer pelas mais diferentes coisas e sentia um instinto
protetor. Se ela chegasse em casa triste e desanimada eu sempre dava um jeito
de fazer com que conversássemos e compactuava com minha mãe para que fizéssemos
ela se arrumar, maquiar, pintar os cabelos e coisas do tipo, mas não por
futilidade, era porque ela se amava dessa forma, sempre amou se “emperiquitar”.
Era muito divertido ver o caminho que a gente percorria para ver ela feliz,
sempre funcionava. O problema é que ela também saía da nossa casa, voltando
sempre ao que costumava ser antes de tentarmos a mudança de ares. Nesse ano ela
não veio ficar com a gente, estava muito doente e era preferível permanecer no
seu próprio cantinho. Nesse dia das mães minha mãe trabalhou, disse que
sairíamos direto após atender a última cliente e iríamos visita-la. Assim o fez
e no momento em que estávamos fechando a casa para sairmos, o telefone tocou.
Poxa, “valia a pena ver o que era, estávamos em casa ainda”. Mandaram-me
descobrir o que precisavam e fui. Aparentemente era importante, pensei na
época, porque me fizeram passar aos meus pais assim que falei “Alô”. Minha vó
havia morrido naquela tarde. Ainda me sinto culpada às vezes ao contar que me
senti anestesiada pela longa parcela de tempo em que soube da morte dela até
iniciar o velório. A carga toda caiu sobre mim do nada, só depois de horas eu
entendi o que havia acontecido, no exato momento em que meus olhos pousaram no
corpo morto dela. Foi rápido, como se um raio tivesse caído na minha cabeça. Senti
todas as minhas emoções entrarem em pane e chorei como nunca. Primeira vez que
entendi o que realmente era o sentimento de “acabou”. Como você deve imaginar,
foi um dos fatos mais marcantes pelos quais passei.
Uma
semana depois minha irmã nasceu em um ambiente em que não sabíamos se ficávamos
extremamente felizes ou tristes. Minha mãe ainda estava muito mal pelo que
aconteceu, assim como eu, mas era tempo de tentar seguir em frente da melhor
maneira, aquele bebê merecia isso. Como em toda família a chegada de uma
criança mudou tudo em 360° graus e infelizmente eu não soube lidar muito bem
com tudo. Talvez algumas pessoas pensem nisso como ciúmes, outras pensem que
era normal sentir-me assim. Eu apenas não conseguia pensar claramente sobre
nada, só entendia que as coisas estavam mudando e que eu não conseguia gostar
totalmente disso. Não ache que não amo a chegada da minha irmã por isso, amo-a
do fundo do meu coração, o problema foram os bruscos acontecimentos e um pouco
do que eu tinha feito comigo até meus doze anos. Lembra-se do que te contei no
primeiro capítulo? Pois veja, eu não entendia mais o que era. Alie isso à perda
da minha vó, que havia feito com que repensasse algumas dessas coisas sem
entender de verdade nada. Entrei em um ciclo de questionamentos que desfaziam o
sentido de tudo que tinha feito no passado, um passado recente que ainda era
parte do meu dia-a-dia. Eu estava tentando agradar a quem? Por quê? Nem era
mais importante. Resolvi ser eu e tomei consciência de que não sabia como. As
coisas obviamente mudaram na escola quando fiz isso, e em casa tudo ia se
moldando ao redor do novo núcleo familiar. Eu entendia aquilo e mesmo assim não
compreendia o motivo de sentir-me tão sozinha. Vi-me sem saber o que fazer e me
revoltei, por isso as brigas começaram a surgir. Para minha família eu de
repente não era mais meiga e fofa, eu havia parado de fazer algumas coisas,
aparentemente sem ter um motivo, na visão deles. O principal foi o quão forte
começaram a notar aquilo que não gostavam em mim, coisas que realmente eram
características minhas, das quais não poderia mudar mesmo se tentasse. Não
havia mais refúgio, nem na escola, nem em casa. Esse é o marco da minha
dissociação com a imagem que criei até esse ano. Pergunte a qualquer um que
tenha me conhecido nessa idade, nunca sabem o que aconteceu de fato, mas
afirmam o quanto mudei repentinamente. Fechei-me fortemente com minha família e
em compensação não tentava mais agradar ninguém na escola. Utilizei a leitura
como um meio de fugir da minha realidade em casa e exagerei muito nisso. No meu
tempo livre eu pegava um livro e devorava-o em poucas horas, sem descanso
buscava outro e o lia também. Cheguei ao Record de ler dois livros e meio em
menos de vinte e quatro horas. Nenhum era pequeno.
Ainda
bem que pouco tempo depois eu descobri que podia conhecer pessoas que aceitavam
meu jeito diferente de ser, mesmo que não me entendessem. A primeira pessoa
especial que conheci havia acabado de entrar na escola, assim que chegou foi-me
dado em tom de brincadeira o dever de cuidar dela ali, grande mulher a mãe
dessa colega. Mesmo que não passasse de um comentário engraçado eu respondi que
faria sim, cuidaria dela da melhor forma que pudesse. Assim tentei fazer e
ainda a tenho em minha vida. A segunda pessoa também chegou de repente, na
mesma situação da primeira. Diferentemente do caso anterior foi o fato de que
entrei em contato por vontade própria, sem precisar de empurrãozinho. Tinha o
forte pensamento de que sabia o quão chato era ser tirada da zona de conforto e
entrar em ambiente desconhecido. A amizade dela ensinou-me muitas coisas, mesmo
que ela já não faça parte ativa da minha vida agora. A terceira me veio em uma
situação cômica, quando ambas acabamos enfiadas no meio de uma confusão de
paquera entre duas pessoas, a melhor ação era fugirmos juntas daquilo. Acabamos
fugindo e buscando muitas coisas depois disso, ainda fazemos isso, ela é minha
melhor amiga, dá pra acreditar? Bem louca de permanecer ao meu lado nas
diferentes etapas pelas quais passei, mas foi assim que entendi como amar uma
pessoa como amo minha família, sem nem mesmo ter laços de sangue. Depois disso
encontrei e desencontrei muitas pessoas, todas importantes, sempre deixando um
pouco de aprendizado comigo, sempre levando um pedacinho do meu coração. Não
que isso me faça triste pensando de modo geral, nunca fez. Eu estava aprendendo
que não podia fazer da minha felicidade dependente disso, mesmo que nem sempre
fosse feliz. Foi assim que fui me descobrindo aos poucos, sem em nenhum momento
saber me descrever. Os consecutivos três anos passados após essas mudanças
foram de muitos conflitos internos. Eles produziram muitas confusões das quais
ainda tento lidar. Aprendi que mesmo tendo pessoas por mim, uma mudança não
começaria delas e não dei a mínima para isso nessa fase porque estava
preocupada demais em descobrir experiências novas que me fizessem compreender o
que eu era. Deixei de lado a autoestima, a insegurança, a ansiedade, e aproveitei
só o foco que me levava ao fim do labirinto que me encontrava. Acabei por
demorar demais a entender que não podia me negligenciar tanto e terei de
explicar o motivo a você em nosso próximo encontro.
- Karolayn Pedroso.